O dia 9 de agosto de 2003 será lembrado por Vitor Jones de Oliveira pela vida inteira. Foram aqueles 12 rounds, vistos pela TV da casa de reboco da avó, em Salvador, que mudaram sua vida. Aos dez anos, ao lado da avó Conceição, ele assistia a um pugilista baiano, seu conterrâneo, disputar os títulos mundiais superpena da WBA e WBO. A movimentação, a potência nos golpes, tudo chamava a atenção. Em um combate épico, e após quase ser nocauteado, Acelino Popó Freitas vencia o argentino Jorge Barrios, no 12º round, por nocaute técnico. Ao fim da luta, inocente, Vitinho falou para avó: "Esse rapaz luta muito". Do outro lado, emocionada, Conceição então disse: "Ele é seu tio". Poucas palavras, mas suficientes para fazerem seus olhos brilharem. Começava a história da nova promessa do pugilismo profissional brasileiro, que no último final de semana venceu sua segunda luta, diante de Martin Quesada.
- Quando fiquei sabendo, fiquei muito feliz. Era um tio famoso na família. Fiquei fascinado. Estava sentado no sofá, vendo a luta, não fazia ideia que era meu tio. Só disse para ela que ele lutava muito. E então ela me disse isso - recordou-se Vitor.
A caminhada até os ringues, porém, foi sofrida, assim como a vida. Criado com a avó, Vitor quase não teve contato com os pais. Quem deveria lhe dar conselhos perdeu a consciência para as drogas. O pai até sabe que o peso superpena luta boxe, mas não faz ideia do seu talento e de seu momento no esporte. A mãe, sem saber ler e escrever, pede esmola em shoppings de Salvador. Solto no mundo, por pouco ele não seguiu o mesmo caminho. Catava ferro velho, conseguia R$ 0,50, R$ 1 diariamente, e ia direto para a padaria comer o "pão com mortadela" do dia. Quando não conseguia vender nada, ficava na praia até a noite chegar e matava a fome devorando a massa dos cocos jogados no lixo pelos turistas.
Vitor tem no seu córner o tio famoso Popó
(Foto: Divulgação/Banner Promotions)
- A minha infância foi difícil. Catava ferro velho, ia para a praia 10h e ficava até as 18h. E de lá ia para a barraca comer coco do lixo. Eu ganhava pouco dinheiro, quase nada, comprava um guaraná, um pão com mortadela. Eu me sentia milionário. Meu pai é usuário de drogas, quase não o vejo. Ele mora com a Vanda (minha avó de sangue). E a minha mãe não sabe ler nem escrever, pede esmola na rua. Não mora com a família. Ela mora com minha avó, a Conceição. Praticamente não tive contato com meus pais, sempre fui criado pela minha avó - explicou Vitor Jones.
01. AGRESSÃO O LEVOU ATÉ POPÓ
Naquele mesmo ano, uma discussão em família levou Vitor Jones de Oliveira, aos dez anos, para a casa de Popó e para o boxe, que ele já admirava ao saber do tio famoso. Após uma briga com o avô, Vitor foi agredido, levou um soco no rosto e precisou levar quatro pontos. A história chegou ao outro lado da família, que não tinha tanto convívio com o restante dos parentes. E então Tony Freitas, irmão de Popó, assumiu a responsabilidade e levou o menino para a casa de Zuleica, mãe do tio boxeador e sua avó de criação.
Vitor Jones de Oliveira luta no peso superpena e sonha com o título mundial
(Foto: Divulgação/Banner Promotions)
- Quando cheguei na casa, meu tio Popó estava almoçando. Ele viu meu olho inchado, sangrando, e pediu para a minha avó Zuleica que eu morasse com eles. Passei a morar e subia para a academia do Popó sempre. Ficava olhando os caras treinarem. Foi assim até os 11 anos, quando meu tio Luiz Cláudio (também irmão de Popó) me perguntou se eu queria treinar sério. Aceitei na mesma hora. Comecei a treinar e com um mês fiz minha primeira luta pelo Campeonato Baiano. Fiz três lutas, ganhei as três, fui campeão, e de lá para cá foram só vitórias.
02. DOPING NA ESTREIA
Aos 14 anos, em Cuiabá, Vitor foi campeão brasileiro cadete e melhor atleta da competição. Mais tarde, passou a integrar a seleção brasileira de boxe, em São Paulo, onde ficou três anos e meio. Disputou Sul-Americano, Pan-Americano, Mundial, sempre no amador, até que seu tio Luiz Cláudio, visto quase como um pai, entrou em contato com Arthur Pelullo, empresário de Popó no boxe profissional. Aos 19 anos, o baiano assinava seu primeiro contrato e chegava a Las Vegas para fazer sua primeira luta. Diante de Rocco Espinoza, o superpena conseguiu um nocaute logo no primeiro round.
Quero ajudar meu pai, minha mãe, todos da minha família, sem distinção alguma"
Vitor Jones
Dias depois, porém, uma carta da Comissão Atlética de Nevada trazia a má notícia. Assim como tinha feito em um campeonato na base, Vitor ingeriu, 20 minutos antes da luta, escondido de todos, uma substância proibida batizada por ele de "Abelhinha", pela cor amarela do frasco. Tratava-se de testosterona sintética. Hormônio masculino. Ficou um ano e meio suspenso e ainda teve que pagar US$ 600 (R$ 1,3 mil) de multa. Arrependido, ele diz que a ação intempestiva atrasou sua carreira em um ano.
- Eu me arrependo muito de não ter falado com meus tios sobre isso. Agi como se estivesse sozinho, sem ninguém. Tomei escondido, faltando 20 minutos para a luta. Tomei porque no amador me senti bem, na final do Brasileiro, que eu tinha tirado muito peso. É uma mancha que poderia não ter na carreira. Era para ter feito várias lutas nesse tempo parado. Atrasou um ano de minha carreira. Tomei na inocência, não sabia que seria pego no doping - lamentou.
Vitor Jones de Oliveira
Idade: 20 anos
Peso: 72kg
Altura: 1,70m
Local de nascimento: Salvador (BA)
Categoria: Superpena (59kg)
Cartel profissional: 1 V-1 NC
Cartel amador: 56 lutas
Títulos: tricampeão brasileiro, hexacampeão baiano, campeão norte-nordeste, campeão do Cinturão de Ouro, no Equador
Vitor Jones de Oliveira (Foto: Divulgação)
Sem poder lutar, Vitor pensou em desistir e com o futuro incerto, se aventurou em outras áreas. Junto às aulas de boxe, para complementar a renda, passou a trabalhar em uma loja vendendo roupas, perto do Pelourinho, no centro histórico de Salvador. O sonho de viver do boxe e de dar uma vida melhor aos pais e familiares, porém, falou mais alto. Se desistiu da escola na quinta série para focar apenas na luta, não seria uma suspensão que o faria abandonar o esporte.
- Desistir chegou a passar na minha cabeça. Mas quando aconteceu, pensei nas minhas irmãs, na minha avó, na família, para ajudar a dar um futuro melhor a eles. Me deu vontade de treinar mais e voltar mais forte no ringue. Durante o tempo em que fiquei parado, dei aula na academia com meu tio Cláudio, para ganhar um dinheiro e me manter. Trabalhei também em uma loja de roupas, por um mês. Um amigo conseguiu, com carteira assinada. E saí porque eu coloquei na cabeça que tinha que treinar e ali eu não ia conseguir nada disso.
03.BOLSAS DE R$ 4 MIL
Vitor Jones também se inspira em Floyd Mayweather
(Foto: Divulgação/Banner Promotions)
Milionário, o boxe paga uma fortuna aos seus heróis. A realidade, porém, não é a mesma vivida pelo boxeadores que estão começando. Ou seja, poucos ganham muito dinheiro como o americano Floyd Mayweather, que embolsou R$ 101 milhões no último combate contra o mexicano Canelo Alvarez, e muitos pugilistas ganham pouco, como Vitor Jones de Oliveira, que, pelo contrato assinado, ganha R$ 4 mil por cada duelo de quatro rounds. Seu sonho, porém, é chegar às cifras do também ídolo "Money".
- Dá para me manter. Nas duas primeiras lutas, ganhei R$ 4 mil em cada, mas é muito longe daqueles contratos milionários como o Mayweather, que ganha R$ 100 milhões em uma luta. Mas um dia vou chegar nisso aí. Quem sabe um dia não luto por um valor desses? Sonho com isso. Inclusive, me inspiro muito no Floyd. Sou muito fã dele e assisto muito ás lutas. Ele é uma lenda. A verdade é que poucos lutadores ganham muito, e muitos ganham pouco. E todos querem chegar nos milhões. Esse é o objetivo.
Dinheiro, porém, não é a única meta.
- Meu objetivo é ser campeão mundial. Quero meu título. Não sei se vou chegar mais longe que meu tio Popó. Mas quem sabe? Eu não pretendo ser melhor do que ele em nada. Eu quero ajudar minha família. Se for para ser campeão mundial dez vezes, vou querer ser, mas só para mim, não para dizer que fui melhor que meu tio. Tive uma pessoa muito importante em minha vida, que é meu tio Luiz Cláudio, que hoje é meu técnico. Estou seguindo minha vida como Deus quer, lado a lado com ele.
FONTE: GLOBOESPORTE.COM